O Cemitério Municipal Nossa Senhora Aparecida completa 160 anos de atividade em Juiz de Fora nesta sexta-feira, 1. Fundado em 1º de novembro de 1864, é um espaço que conta, de certa forma, a história da cidade e que pode nos revelar aspectos singulares da identidade cultural juiz-forana. Para entendermos melhor a atividade do cemitério e suas origens, conversamos com o atual administrador, Renato Dantas, que nos contou sobre o passado, curiosidades e até casos “mal assombrados”.
Durante a conversa, Renato aponta que os serviços prestados ao longo dos 160 anos pelo Cemitério Municipal são de extrema importância para a cidade, além de ser uma espécie de registro atemporal de Juiz de Fora, uma referência para entender a história local. “O Cemitério Municipal atende à população, de forma ininterrupta, de segunda a segunda, da melhor forma possível, entregando carinho, consolo e apoio a quem nos solicita. É um espaço público, que revela, a quem tiver olhos para ver, detalhes que vão contando a cronologia da nossa cidade, as pessoas que ajudaram a construí-la e os habitantes que por aqui passaram”, relata.
Origens do Cemitério
De acordo com Renato, o cemitério teve origem através de uma doação de um terreno dado pelo tenente-coronel José Ribeiro de Rezende, no bairro Poço Rico. Até então, as pessoas eram enterradas abaixo do assoalho e no entorno de uma igreja católica, no centro da cidade, onde hoje se encontra a Catedral Metropolitana de Juiz de Fora. Foi com a construção do cemitério que surgiu também a tradição de adornar as sepulturas, trazidas pelas famílias imigrantes da Europa, em especial as italianas.
“As esculturas, sempre com um sentido religioso, eram uma forma de prestar homenagem aos mortos, fazer um local de ‘descanso’ para a pessoa que partia, e servia também para mostrar status social, pois as famílias mais ricas sempre investiam mais nos adornos, mostrando, de certa forma, o poder econômico que detinham”, esclarece Renato. Hoje, é possível observar as diferentes esculturas nos túmulos e admirar o trabalho feito em mármore e outros materiais no cemitério.
“O Cemitério Municipal tem importância que vai muito além da questão dos sepultamentos. É um equipamento público, aberto 24 horas, que atende a toda e qualquer pessoa, em seu momento de tristeza e dor. Tem relevância cultural e histórica, sendo de fato um museu a céu aberto. Em cidades como Buenos Aires e Paris, os cemitérios da Recoleta e Père-Lachaise são roteiros quase obrigatórios de visitação pública dos turistas”, sublinha.
Dia a dia no Cemitério
Renato está trabalhando na Secretaria de Obras (SO), que rege o Cemitério, desde 2008, e nos últimos cinco anos está atuando como administrador do local. Para ele, é um trabalho como qualquer outro, mas que envolve um pouco mais de delicadeza, pois é um momento muito difícil para quem está se despedindo de uma pessoa querida.
A rotina no Cemitério Municipal envolve a realização de atividades pertinentes à gestão da SO, como supervisionar os serviços referentes à construção ou reformas de jazigos, gavetas e outros; supervisionar os serviços de vigilância; supervisionar a qualidade dos serviços de conservação, limpeza e vigilância sanitária no âmbito do Cemitério; atender e informar ao público a localização de quadras, jazigos, sepulturas e ossários; marcar e controlar o horário de sepultamentos, exumações e reservas de capelas do Cemitério Municipal. “Registro, que para realização das atividades em questão, contamos com equipe de servidores e colaboradores dedicados e competentes, efetivamente cumpridores dos seus deveres e atribuições”, afirma.
Renato também revela que é preciso planejamento para administrar o Cemitério, principalmente nas datas comemorativas, como o Dia de Finados, Dia das Mães e Dia dos Pais, que são as datas que mais recebem visitantes. Dentre os túmulos de maior renome e visitação, mantêm-se ainda o do Presidente Itamar Franco, Santa Palmira, Família Halfeld, Padre Wilson e Cândido Tostes. “Para essas datas, sempre contamos com a ajuda do Programa Boniteza, que vem aqui ajudar a gente a manter o Cemitério em dia e arrumar a casa para receber o público. Para esse ano, estamos esperando cerca de 12 mil pessoas”, afirma.
Para o administrador do Cemitério Municipal, o trabalho de campo pode ser um pouco árduo, uma vez que o cemitério é grande, com cerca de dez hectares, e possui áreas inclinadas, o que requer um maior esforço para os servidores. “O que vale destacar é a qualidade e responsabilidade de nossa equipe. Fizemos um trabalho em conjunto com o Damor (Departamento de Ambiência Organizacional) da Prefeitura e conseguimos capacitar ainda mais os colaboradores do Cemitério”.
Um outro olhar
Para quem está de fora, pode parecer, em um primeiro momento, um pouco sombrio ou deprimente trabalhar dentro de um cemitério, mas Renato garante que não se incomoda com os mortos e nem acha um ambiente lúgubre. Não se importa tampouco com as histórias que circundam o local. Inclusive, nos conta que já foi alvo dessas “assombrações”.
“Aqui a gente vê de tudo, tem muita história para contar. A primeira delas aconteceu comigo, ao final da tarde, já quase noite, quando fui procurar um dos nossos encarregados. Indo do estacionamento em direção ao escritório dos supervisores (que fica acima do Portão Central) pelo corredor central. Ouvi uma voz trêmula e rouca, que dizia: ‘Ô Renato espera aí’. Em alto e bom tom. Parei e olhei pra cima e não vi nada. Continuei andando e a voz prosseguiu, ‘Renato espera aí’. Parei novamente, preocupado. Resolvi subir o Cemitério e encontrei com um amigo que estava tentando me aterrorizar. Ele tinha levado flores para o túmulo de seu pai, que fazia aniversário naquela data. Disse que me viu passar e aproveitou a ocasião para tentar me amedrontar. Demos muitas risadas”.
“Já a segunda história foi a seguinte: uma pessoa que bebia muito faleceu. E seus amigos de copo, ficaram no velório bebendo em homenagem ao falecido. Na hora do sepultamento, como o túmulo era em uma quadra muito lá em cima do Cemitério, ninguém aguentou subir até o local, em função do alto teor etílico de todos”, gargalha. “Tem muita lenda também, já ouvi vários relatos que não são verdades, mas as pessoas parecem gostar de espalhar esses boatos. Isso vai gerando muita falação, que acabam virando lendas e histórias mal-assombradas”.
São acontecimentos como esse que fizeram com que Renato adquirisse um olhar mais leve e sereno sobre a morte. Convivendo com a partida de pessoas diariamente, diz que o modo como encaramos a despedida da vida deveria ser mais natural e tranquila, sem tanto tabu. “Como engenheiro civil que sou, a concretude me dá um pouco de sentimento do ciclo da vida: nascimento, infância, adolescência, idade adulta, melhor idade e morte. Por outro lado, penso que a vida é uma dádiva, que nos permite sonhar, amar, sorrir, chorar e viver com extrema resiliência ajudando sempre o próximo”.
Para amenizar o estresse do dia a dia, os servidores do Cemitério Municipal também foram preparados e capacitados para lidar com situações desgastantes e delicadas. A equipe de atendimento foi capacitada junto a psicólogos, que permitiu aos colaboradores administrar o estresse diário e também melhorar o atendimento às pessoas que perdem seus entes queridos. “Palavras de consolo e carinho; ouvir mais e sempre dar os pêsames, são ações do nosso cotidiano. Com esse atendimento, ocorre um certo conforto, a todos que nos procuram”, esclarece Renato.